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A confiança ou desconfiança na relação médico-paciente

A saúde (a medicina em particular) e a educação são consideradas duas áreas fundamentais para o desenvolvimento social e intelectual dos indivíduos na maioria das sociedades. É igualmente sabido que a “confiança” é um ingrediente básico e indispensável na relação médico-paciente, ou melhor, na relação entre o paciente e o médico. A falta de confiança nesta relação pode levar, entre outros, à não adesão do paciente às orientações do seu médico, à excessivos questionamentos quando a conduta do profissional de saúde, à procura de outro médico que, na sua visão, vai resolver seus problemas e, no caso de insatisfação por algum resultado não esperado pelo paciente, à abertura de processo administrativo, medico-legal ou até mesmo criminal.

Assim, apesar de ser inquestionável a importância da confiança na relação médico-paciente, as mudanças nos sistemas de saúde e o acesso cada vez maior do “leigo” à informação até outrora considerada exclusiva para os “iluminados”, tem levado alguns estudos concluírem que existe uma forte pressão sobre esta relação, até mesmo minando-a.

O surgimento de ferramentas de pesquisa online, como o Google (alguns o chamam de Dr. Google) possibilitou que pacientes obtivessem informações médicas de forma cada vez mais simples e clara e isto aumentou o seu senso crítico. Entretanto, a evidência mostra que a maioria dos pacientes ainda confiam que seu médico actua no seu melhor interesse.

A verdade, porém, é que “confiança do paciente” é uma variável complicada, multidimensional e definida de vária maneiras. Alguns teóricos afirmam que a confiança do paciente é um conjunto de crenças ou expectativas de que seu médico irá se comportar de alguma forma que ele mesmo espera. Outros destacam uma natureza mais afectiva, identificando a confiança do paciente como um sentimento tranquilizador em relação ao médico e suas intenções. Entre os aspectos mais frequentemente usados pelos pacientes para descreverem a sua confiança no médico são a competência, compaixão, privacidade, confidencialidade, confiabilidade, segurança e comunicação.

Um importante estudo foi realizado por Tom e Campbell. Os pacientes foram questionados sobre casos específicos que afectaram positiva ou negativamente a sua confiança no médico. A maioria dos casos relatados estavam relacionados com o comportamento e a atitude do médico. Os pacientes deste estudos relataram que a confiança foi fortemente determinada por suas avaliações  sobre a comunicação do médico, a compaixão, compreensão e honestidade. Não surpreendentemente, o estudo também confirmou a hipótese de que a confiança no médico aumenta a probabilidade de aderir à recomendação do médico.

Algumas ferramentas foram criadas para avaliação da confiança do paciente, as mais citadas são a Escala de Confiança no Médico (de Anderson e Dedrick), o Questionário sobre Avaliação dos Cuidados Primários (de Safran) e a Escala de Confiança do Paciente (de Kao).

A Escala de Confiança no Médico, avalia a confiança o paciente com forme o seguinte questionário:

Escala de Confiança no Médico (de Anderson e Dedrick)

Até que ponto você confia em seu médico?

  1. Duvido que meu médico realmente se preocupa comigo como pessoa;
  2. Meu médico geralmente leva em conta minha necessidade e as coloca em primeiro lugar;
  3. Confio muito no meu médico de modos que eu sempre procuro seguir suas orientações;
  4. Se o meu médico me diz que algo é assim, então deve ser verdade;
  5. Às vezes desconfio da opinião do meu médico e gostaria de uma segunda opinião;
  6. Confio na opinião do meu médico sobre minha saúde;
  7. Acho que meu médico não faz tudo o que pode pela minha saúde;
  8. Eu confio que meu médico coloca as minhas necessidades médicas acima de todas as outras considerações quando se tratam meus problemas médicos;
  9. O meu médico é um especialista ao tratar de problemas médicos como o meu;
  10. Confio que meu médico me diga que houve um erro durante o meu tratamento;
  11. Algumas vezes me preocupo que meu médico não mantenha em privado as coisas que conversamos.

Veja os outros critérios de avaliação da confiança do paciente aqui

Um outro estudo importante, realizado por Safran et al procurou relacionar o grau de confiança do paciente com outros parâmetros, nomeadamente, adesão às recomendações do médico, satisfação com o seu médico e melhora na qualidade de saúde. Apesar de os pesquisadores não terem demostrado uma relação independente entre a confiança do paciente e a melhora na saúde, a confiança foi o factor que de forma independente foi mais fortemente associado com a satisfação com o médico e adesão ao tratamento.

Desta forma, e em forma de conclusão, podemos dizer que aspectos do comportamento médico como competência, compaixão, confiabilidade, integridade e comunicação aberta são os elementos essenciais e indispensáveis para que o paciente confie no seu médico, de tal modo que a relação médico-paciente resulte em bem-estar para ambos.

 


Bibliografia recomendada

  1. Steven D Pearson, Lisa H Raeke. Patients’ Trust in Physicians: Many Theories, Few Measures, and Little Data. J Gen Intern Med. 2000 Jul; 15(7): 509–513.
  2. Thom DH, Campbell B. Patient-physician trust: an exploratory study. J Fam Pract. 1997;44:169–76.
  3. Anderson LA, Dedrick RF. Development of the Trust in Physician scale: a measure to assess interpersonal trust in patient-physician relationships. Psychol Rep. 1990 Dec; 67(3 Pt 2):1091-100.
  4. Safran DG, Taira DA, Rogers WH, Kosinski M, Ware JE, Tarlov AR. Linking primary care performance to outcomes of care. J Fam Pract. 1998 Sep; 47(3):213-20.
  5. Thom DH, Ribisl KM, Stewart AL, Luke DA. Further validation and reliability testing of the Trust in Physician Scale. The Stanford Trust Study Physicians. Med Care. 1999 May;37(5):510-7.
  6. Kao AC, Green DC, Zaslavsky AM, Koplan JP, Cleary PD. The relationship between method of physician payment and patient trust. JAMA. 1998;280:1708–14
Especialidades: Bioética , Medicina Interna Palavras-chave:

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