Autor: Dr. Osvaldo Lourenço
Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo
Complementando em Ecocardiografia em Adultos


A eletrocardiografia consiste no registro da atividade elétrica do coração por meio de elétrodos colocados na superfície do corpo. Este registro é gravado em um papel próprio a uma velocidade de 25 mm/s. O traçado eletrocardiográfico é chamado eletrocardiograma (ECG).

O papel de ECG é formado por pequenos quadrados de 1 mm. Cada quadrado pequeno corresponde a duração de 0,04 segundos ou 40 milissegundos (ms) e amplitude de 0,1 milivolts (mV). Um quadrado grande é formado por 5 quadrados pequenos e corresponde a duração de 0,2 segundos (0,04 x 5).

Papel-ECG-detalhes

Figura 1Representação dos elementos de um papel de ECG, formado por quadrados de 1 mm cada. A linha horizontal representa o tempo (1 mm = 0,04s) e a altura representa a amplitude ou voltagem (esta relação depende da calibragem utilizada).


Electrocardiograma normal

Como vimos em capítulos anteriores, a atividade elétrica do coração corresponde à potenciais de acção gerados e que se propagam pelo sistema de condução até desencadear o evento de contração muscular. Este evento é seguido pela repolarização da célula.

As variações no potencial elétrico são registrados como deflexões ou ondas que serão positiva ou negativa dependendo do sentido da corrente de despolarização (ou repolarização) em relação ao elétrodo que faz o registro. Quando a corrente se aproxima do elétrodo é registrado como onda positiva; se se afasta é registrada como onda negativa. Quando não há corrente elétrica o ECG registra uma linha reta ou linha isoelétrica.

NO ECG de repouso normal as principais deflexões são: onda P, complexo QRS, onda T, onda U (nem sempre está presente). Estes elementos estão representados na figura a seguir.

Ondas-ECG

Figura 2

A onda P é gerada pela activação ou despolarização dos átrios, o complexo QRS é produzido pela activação de ambos os ventrículos, a onda T é criada pela repolarização dos ventrículos e a onda U representa a repolarização do sistema His-Purkinje.

Para além das ondas, também é importante saber a existência de intervalos e segmentos.

  • Segmento é a linha isoelétrica entre duas ondas. Os segmentos com significado clínico são o segmento PR e o segmento ST;
  • Intervalo inclui um segmento e 1 ou mais ondas.

A tabela a seguir mostra a duração normal das ondas e intervalos com significado clínico em adultos.

ecg-ondas

Figura 3Valores das ondas e segmentos do ECG em adultos


A activação dos átrios – A onda P

Em condições normais, a activação dos átrios começa com a geração do impulso elétrico no nodo sinusal (ou sinoatrial). A activação dos átrios é a primeira deflexão registrada pelo ECG e é a Onda P.

Configuração: a onda P é geralmente arredondada e achada. Devido a localização do nodo sinusal, o átrio direito é activado primeiro, por isso a primeira metade da onda P representa a activação do átrio direito e a outra metade representa a activação do átrio esquerdo.

activação-dos-atrios

Figura 4A primeira metade da onda P representa a activação do átrio direito (figura a esquerda) e a outra metade representa a activação do átrio esquerdo (figura a direita)

Duração: a duração normal da onda P é menor que 120 ms (ou 3 quadrados pequenos).

Amplitude: a altura ou amplitude da onda P é ≤ 2,5 mm (ou 2,5 mV).

A medição da onda deve se feita na derivação em que ela é mais ampla.

Algumas condições clínicas podem alterar a largura ou amplitude da onda P. No caso de aumento da massa do átrio direito pode resultar no aumento da amplitude. No aumento do átrio esquerdo, pode resultar em alargamento da onda P. Leia mais sobre aumento das câmaras cardíacas


Condução pelo nodo atrioventricular e segmento PR

Após a activação dos átrios, a única via (normal) por onde o estímulo elétrico pode atingir os ventrículos é através do nodo atrioventricular (AV) e do sistema de condução interventricular.

 

Ao chegar no nodo AV, o estímulo sofre uma condução lenta. Ao deixar o nodo AV ocorre a activação sequencial do feixe de His, dos ramos direito e esquerdo e, finalmente, do sistema de fibras de Purkinje. Este fluxo de corrente é representado no ECG pelo segmento PR. Apesar de existir corrente elétrica, o segmento PR é uma linha isoelétrica porque os potenciais gerados por estas estruturas são pequenos demais para produzir voltagem detectável na superfície do corpo com a amplificação normal.

O segmento PR é a parte isoelétrica do ECG que vai desde o fim da onda P e o início do complexo QRS. O comprimento do segmento PR corresponde ao tempo entre o fim da activação atrial e o começo da activação ventricular.

O intervalo PR inclui a onda P e o segmento PR, corresponde ao tempo entre o início da activação atrial e o início da activação ventricular.

Grande parte do segmento PR é determinada pela condução no nodo AV, pelo que o prolongamento do intervalo PR se deve, na maioria dos casos, bloqueios no nodo AV.


Activação Ventricular – o Complexo QRS

O complexo QRS do ECG representa a activação ou despolarização dos ventrículos. Corresponde a fase 0 do potencial de acção de cada célula miocárdica individualmente.

A despolarização dos ventrículos começa do endocárdio, se propaga pelo miocárdio e dura entre 60 e 110 milisegundos. Tradicionalmente se considera < 120 ms a duração normal do QRS.

O complexo QRS é formado por várias ondas positivas e negativas representadas por QRS.

  • Onda Q: é a primeira onda negativa do complexo. Se só existe uma onda negativa (sem onda R), se descreve como complexo QS;
  • Onda R: é a primeira onda positiva do complexo QRS. Se não existe onda negativa (sem Q nem S), o complexo é descrito com onda R;
  • Onda S: é a primeira onda negativa após a onda R;
  • Se existe uma onda positiva após a onda S, será descrita como onda R’;
  • As ondas altas são representadas com letra maiúscula e ondas menores por letras minúsculas.

Veja os seguintes exemplos:

Complexos-QRS

Figura 5 Diferentes apresentações do complexo QRS

Independentemente do número de ondas, deve ser sempre identificado como complexo QRS.


Ponto J, Segmento ST e Onda T

O ponto J marca o final do complexo QRS e o início do segmento ST. Corresponde a fase 1 do potencial de acção, em que ocorre saída rápida de potássio da célula.

O segmento ST é a linha isoelétrica que vai desde o ponto J até ao início da onda T. O segmento ST corresponde a fase 2 (fase de plateau) do potencial de acção das células miocárdicas dos ventrículos. Durante este período as células musculares estão em completa contração e em período refratário absoluto.

A onda T representa a repolarização rápida dos ventrículos. Corresponde à fase 3 do potencial de acção.

Intervalo QT

É medido desde o início do complexo QRS até ao final da onda T. Este intervalo corresponde às fases 0, 1, 2 e 3 do potencial de acção. Na presença da onda U, esta não deve ser incluída na medição.

O intervalo QT é afectado pela frequência cardíaca. É mais longo quando a frequência é baixa e mais curto quando a frequência é alta. Por isso o intervalo QT deve ser corrigido pela frequência cardíaca.

O intervalo QT corrigido (QTc) é calculado pela fórmula de Bazzet, descrito em 1920:QTc

Os intervalos QT e R-R devem ser medidos em segundos. A duração do QTc normal é de 0,44 segundos (440 ms) em homens e 0,46 segundos (460 ms) em mulheres.

Veja o seguinte exemplo:

Traçados-ECG

Figura 6Determinação do intervalo QT corrigido no traçado de ECG.

O intervalo R-R mede 0,88 segundos (22 quadrados x 0,04 segundos) e o intervalo QT mede 0,4 segundos (10 quadrados x 0,04 segundos). Por isso o QTc será:

QTCcalculo

O intervalo QT tem grande importância, pois seu encurtamento ou prolongamento estão associados a arritmias cardíacas potencialmente fatais e morte súbita. Vários fármacos e condições clínicas têm potencial de alterar o intervalo QT, sendo por isso necessária a monitorização deste intervalo nestas situações.


A onda U

Algumas vezes a onda T pode ser seguida de uma deflexão positiva, chamada onda U.

A onda U nem sempre está presente e geralmente aparece quando a frequência cardíaca é baixa (< 65 bpm). Quando registrada, ela é melhor visível nas derivações V2 e V3 devido a proximidade com o miocárdio dos ventrículos.

Onda-U-ECG

Figura 7Apresentação da onda U em duas derivações eletrocardiográficas onde mais facilmente é identificada

Exercícios e casos clínicos

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Bibliografia consultada

Baltazar, Romulo F. Basic and Beside Electrocardiography. Lippincott Williams & Wilkins, 2009.

David M. Mirvis, e Ary L. Goldberger. “Eletrocardiografia.” Em Braunwald. Tratado de Doenças Cardiovasculares, por Douglas P. Zipes, Petter Libby, Robert O. Bonow e Eugene Braunwald, 107-147. Elsevier, 2006.

Geva, Tal. “Imaging Criteria for Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy.” J Am Coll Cardiol, 2015: 65(10):996-998.

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