Ponte de Anticoagulação no Pré-operatório de Pacientes com Fibrilação Atrial – NEJM
Nos doentes com fibrilação atrial tratados com varfarina, submetidos a uma cirurgia electiva ou procedimento invasivo electivo, a ponte com heparina de baixo peso molecular (por exemplo, enoxaparina) não foi associada com uma redução de acidente vascular cerebral, embolia sistêmica, ou acidente isquêmico transitório, mas com risco significativamente maior de hemorragia, em comparação com pacientes que não fazem esta ponte.
Em pacientes com fibrilação atrial (FA) com indicação de cirurgia ou procedimento eletivos, em que se deve suspender o uso de varfarina, não está definido o benefício de se fazer a ponte com um anticoagulante de meia-vida mais curta. Um estudo recente, publicado no The New England Journal of Medicine avaliou qual a melhor estratégia (ponte com heparina de baixo peso molecular vs placebo) para a prevenção de tromboembolismo pulmonar e redução de sangramento maior.
O estudo, duplo-cego randomizado (aleatório), comparou o uso de heparina de baixo peso molecular (HBPM) com placebo após a suspensão de varfarina, 3 dias antes da cirurgia, até 24 horas antes da cirurgia e depois entre 5 a 10 após a cirurgia. A heparina utilizada foi a dalteparina 100 UI/kg 2xd. Os desfechos primários foram tromboembolismo arterial (AVC isquémico, acidente isquémico transitório, embolia sistémica) e sangramento maior.
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A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia que se carateriza por ritmo cardíaco irregular. Esta condição aumenta o risco de eventos tromboembólicos, em especial o acidente vascular isquêmico, sendo uma das principais causas de AVC.
A principal medida de prevenção de complicações embólicas da FA é a anticoagulação, que em pacientes ambulatoriais é geralmente feita com a varfarina ou os novos anticoagulantes orais (rivaroxabana, apixabana, edoxabana, dabigatrana). Entretanto, a varfarina apresenta uma duração de acção entre 2 a 5 dias, sendo por isso necessária a sua suspensão dias antes de uma cirurgia ou procedimento invasivo electivos (geralmente 5 dias antes). Durante este período sem a varfarina, o paciente ainda apresenta o risco de AVC associado à FA, por isso algumas diretrizes recomendam a administração, durante este período, de um anticoagulante com tempo de acção mais curto (comumente a heparina não fraccionada ou heparina de baixo peso molecular). Esta é a chamada ponte com heparina. A heparina é administrada até 6 a 12h horas antes do procedimento e a varfarina é reintroduzida logo após os parâmetros hemostáticos o permitam.
Leia mais sobre suspensão e ponte de anticoagulação.
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O estudo analisou dados de 1884 pacientes, sendo 934 no grupo ponte e 950 no grupo placebo. A incidência de tromboembolismo arterial foi de 0,3% e 0,4% no grupo ponte e placebo respectivamente, com significado estatístico, para não inferioridade. A incidência de sangramento maior foi de 3,2% e 1,3% no grupo ponte e placebo respectivamente, com significado estatístico para superioridade.
O estudo BRIDGE foi publicado na edição 22 de Junho de 2015 da NEJM, por James D. Douketis et al.
Comentário
Por: Osvaldo Lourenço, MD
Fazer ou não fazer ponte? Este é um desafio não pouco frequente da prática clínica, quando se trata de pacientes com arritmia (fibrilação atrial) e uso de varfarina para prevenção de eventos tromboembólicos. Muitas vezes o cardiologista é solicitado para liberar uma cirurgia não-cardíaca ou procedimento invasivo nestes pacientes. A estratégia comumente usada é a suspensão da varfarina 5 a 7 dias antes, permitindo a normalização do INR, seguida da administração de heparina não fraccionada ou heparina de baixo peso molecular 5 dias antes do procedimento.
O estudo BRIDGE traz uma resposta clara. Apesar de muito adoptada e recomendada em algumas diretrizes, não fazer a ponte se mostrou não inferior e com menos eventos hemorrágicos, em relação à ponte. De notar que os pacientes estudados tinham indicação formal, pelas guidelines, de anticoagulação profiláctica, pois o escore CHADS2 médio foi de 2,3 e 2,4 nos grupos placebo e ponte respectivamente. Assim, este estudo deve levar à uma mudança na prática clínica e consequentemente a revisão de diretrizes sobre o assunto até então publicadas.
Penso que, apesar da robustez destes resultados, alguns pacientes de muito alto risco de eventos cardio-embólico talvez ainda se beneficiem da ponte com heparina. Por exemplo, que dizer dos pacientes com AVC recente (nos últimos 6 meses), com prótese valvar mecânica ou com CHADS2 muito alto? No estudo BRIDGE apenas 8,3% dos pacientes que não fizeram a ponte tinha história de AVC prévio.
Leia o artigo original (ABSTRACT)
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