Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo
Complementando em Ecocardiografia em Adultos
As células musculares do coração
O coração consiste de 3 tipos de células com diferentes propriedades electrofisiológicas:
- Células Musculares: especializadas na contração muscular e estão presentes nos átrios e nos ventrículos;
- Células de Condução: especializadas na condução rápida de impulso elétrico e estão localizados no sistema His-Purkinje;
- Células Marca-passo: tem propriedade de automatismo e são capazes de geral estímulo elétrico. Estas células estão localizadas no nodo sinusal e no sistema His-Purkinje.
O impulso eléctrico se propaga por meio de potenciais de acção através da membrana celular de cada célula. O potencial de acção de um ciclo cardíaco inclui duas etapas principais: a despolarização e a repolarização.
O potencial de acção da célula muscular normal – electrofisiologia
A célula muscular (e outras) geralmente está polarizada, devida à diferença na concentração de cargas eléctricas entre os 2 lados da membrana celular, isto é, entre os meios intra e extracelular. Os eletrólitos que contribuem para este gradiente elétrico são:
- Potássio: sua concentração é 30 a 50 vezes maior no interior da célula em repouso.
- Sódio: sua concentração é 10 vezes maior fora da célula
- Cálcio: a concentração é maior fora da célula
Devido às características da membrana celular, estes iões só atravessam a membrana através dos canais iónicos (sistemas de proteínas que atravessam a membrana e que permitem a passagem de outras substâncias, como iões). Os canais iónicos são específicos para cada tipo de iões.
Estes iões não atravessam a membrana celular em qualquer momento. Eles são voltagem-dependente, isto é, abrem e fecham dependendo da voltagem da membrana celular. Em repouso, a voltagem da membrana celular é de – 90 mV. Este potencial é mantido graças a presença da bomba Na/K (sódio-potássio) na membrana celular. Esta bomba troca 3 iões de sódio para fora por 2 iões de potássio para dentro, deixando o interior da célula mais negativo, até atingir – 90 mV. Esta troca requer energia, derivada da hidrólise de ATP pela enzima ATPase.
O potencial de acção é dividido em 5 fases: 0, 1, 2, 3 e 4. Estas fases estão representadas na figura abaixo.
FASE 0. Corresponde à despolarização da célula miocárdica. Esta fase começa quando o estímulo proveniente do nodo sinusal é transmitido célula-a-célula. Alguns canais de sódio se abrem e os iões Na+ se movem para dentro da célula. Isto deixa o interior da célula menos negativo (ou mais positivo). Ao atingir cerca de –70 mV, todos os rápidos canais de sódio de abrem e mais iões Na+ entra para o meio intracelular. Isto eleva ainda mais polaridade da membrana, até atingir entre +20 mV a +30 mV. Então, os canais de sódio se fecham e se mantêm fechados até a polaridade voltar para –90 mV. Nesta fase também ocorre a entrada de iões Ca++.
No ECG, a fase 0 corresponde a onda R (ou complexo QRS) de uma célula miocárdica. Por existir milhões de células miocárdicas, demora entre 60 ms a 100 ms (milissegundos) até todos as células miocárdica serem despolarizadas.
Depois da despolarização, a célula começa a se repolarizar. Isto prepara a célula para o próximo estímulo. A repolarização da célula corresponde as fases 1, 2 e 3 do potencial de acção.
FASE 1. Ocorre logo após o fechamento brusco dos canais rápidos de sódio. Os canais de potássio (K+) se abrem transitoriamente e os iões K+ se movem para fora da célula. Isto diminui o potencial de +20mV para 0 mV. No ECG, a fase 1 e o começo da fase 2 coincidem com o ponto J, que marca o final do complexo QRS e o começo do segmento ST.
FASE 2. Ocorre um plateau, isto é, o potencial elétrico se mantem em 0 mV. Isto se dá porque ocorrem, simultaneamente, dois fenômenos opostos: a entrada de iões Ca++ (iões positivos) e a saída de iões K+ (também positivos). Esta sobrecarga de cálcio para o interior da célula também é responsável pelo mecanismo de contração da célula muscular. Durante toda fase 2 a célula permanece em estado de contração. Durante esta fase a célula permanece em período refratário absoluto, isto é, não pode ser despolarizada por estímulo externo. No ECG, a fase 2 corresponde ao segmento ST, que normalmente é isoelétrico.
FASE 3. É a fase de repolarização rápida. Durante esta fase, o potencial elétrico se torna cada vez mais negativo, até atingir –90 mV. Isto ocorre porque os canais de cálcio se fecham (cessa a entrada de Ca++) e se mantem a saída de potássio para o espaço extracelular. A fase 3 corresponde à onda T do ECG.
FASE 4. Corresponde a fase de repouso. Nesta fase o potencial da membrana se mantem em torno de – 90 mV, e se mantem assim até receber um novo estímulo externo. No ECG, a fase 4 corresponde ao segmento T-Q e geralmente é isoelétrica.
Resumo das Fases do Potencial de Acção
Período Refratário
Durante a fase de repolarização, a capacidade da célula cardíaca responder a um novo estímulo depende do seu estado elétrico.
- Período Refratário Absoluto: a célula está totalmente despolarizada e por isso não pode responder a nenhum tipo de estímulo. Corresponde as fases 1 e 2.
- Período Refratário Efectivo: A célula pode gerar um potencial, porém muito fraco para ser propagado; corresponde a pequena parte da fase 3.
- Período Refratário Relativo: a célula se encontra parcialmente repolarizada e pode responder a um estímulo, desde que este seja forte o suficiente. Corresponde a parte da fase 3 e se estende até ao limiar de despolarização (– 70 mV).
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Potencial de acção das células do nodo sinusal
O potencial de acção das células do nodo sinusal é diferente das células que não são marca-passo. O potencial de repouso é de –60 mV e o limiar de despolarização é menos negativo (–40 mV).
A propriedade de automatismo se deve ao facto destas células, durante a fase 4, apresentarem um aumento lento e gradual da voltagem, devido a entrada lenta dos iões sódio (Na+).
Pontos principais
O sistema de condução do coração é constituído por nodo sinusal, nodo átrio-ventricular, feixe de His, ramos direito e esquerdo e fibras de Purkinje;
O nodo sinusal é o principal marca-passo deste sistema;
O nodo AV retarda o estímulo elétrico permitindo a contração dos ventrículos depois dos átrios;
O potencial de acção da célula muscular é determinado pelo fluxo, principalmente, dos iões Na+, K+, Ca++;
Os canais iónicos são voltagem dependentes;
O potencial de acção da célula muscular apresenta a fase 0 (repolarização), as fases 1, 2 e 3 (repolarização) e a fase 4 (repouso);
O nodo sinusal apresenta automatismo ou despolarização espontânea devida a um limiar mais alto (isto é, menos negativo) e ao influxo lento e gradual de iões Na+ durante a diástole.
Referências
Baltazar, Romulo F. Basic and Beside Electrocardiography. Lippincott Williams & Wilkins, 2009.
David M. Mirvis, e Ary L. Goldberger. “Eletrocardiografia.” Em Braunwald. Tratado de Doenças Cardiovasculares, por Douglas P. Zipes, Petter Libby, Robert O. Bonow e Eugene Braunwald, 107-147. Elsevier, 2006.
Geva, Tal. “Imaging Criteria for Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy.” J Am Coll Cardiol, 2015: 65(10):996-998.