Sintomas musculares devidos ao uso de estatinas
As estatinas
As estatinas são uma classe de fármacos usados para o tratamento de hipercolesterolemia (níveis altos de colesterol) por inibirem a enzima HMG-CoA redutase (3-hidroxi-3-metil-glutaril-coenzima A reductase), a enzima limitadora da formação de colesterol no fígado.
Os fármacos mais importantes deste grupo são: sinvastatina, atorvastatina, pravastatina, rosuvastatina.
As estatinas constituem a principal classe de fármacos usadas no tratamento de dislipidemias. O seu uso demonstrou reduzir a taxa de eventos cardiovasculares (em até 40%) e, por isso, são parte fundamental das estratégias de prevenção primária e secundária. As estatinas reduzem as taxas de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral, de doença arterial periférica, promovem a estabilização da placa aterosclerótica, entre outros benefícios.
O uso das estatinas é geralmente bem tolerado. Estudos randomizados demonstraram que os efeitos colaterais (incluindo a dor muscular) das estatinas são similares ao grupo placebo e em alguns casos até mais toleráveis que os efeitos de outros fármacos usados para o tratamento de doenças cardiovasculares (DCV), como os beta-bloqueadores e inibidores da enzima conversora da angiotensina. No entanto, as estatinas podem causar um efeito colateral grave, uma miosite, definida pela presença de dor muscular e elevação significativa da concentração sérica de creatinina quinase (CK), uma enzima que participa do metabolismo muscular.
Outros efeitos colaterais das estatinas incluem dor abdominal, fadiga, elevação de enzimas hepáticas (TGO e TGP), neuropatia periférica, insônia e sintomas neuro-cognitivos. Dados de registros de pacientes sugerem que 7-29% dos pacientes que usam estatinas apresentam algum sintoma muscular e isto contribui para uma taxa alta de descontinuação do fármaco (até 75%) após 2 anos de uso. Infelizmente, esta descontinuação está associada ao aumento na taxa de mortalidade. Uma metanálise mostrou até 15% de risco de DCV mais baixo nos pacientes aderentes, comparado com o grupo de pouco ou não aderentes.
O estudo STOMP (Effects of Statins on Muscle Performance), randomizado, duplo-cego, foi realizado especialmente para avaliar os efeitos do uso das estatinas sobre os sintomas musculo-esqueléticos. O estudo comparou atorvastatina 80 mg/dia com placebo em 420 pacientes por 6 meses. As diferenças foram pequenas (9,4% vs 4,6% com), sugerindo que a incidência de mialgia seja mais baixa do que dos estudos observacionais. Um outro estudo (Zhang et al.) mostrou que 90% dos pacientes foram capazes de tolerar uma estatina alternativa, sugerindo que os sintomas (dor muscular) podem, em alguns casos, estar associado à outra causa ou não é generalizável para todas as estatinas.
Avaliação e diagnóstico
Num artigo publicado no European Heart Journal (EHJ), foi apresentado um consenso sobre a abordagem dos pacientes com sintomas musculares associados às estatinas (SMAE). Foi sugerido que a avaliação inicial deve incluir uma caracterização adequada dos sintomas, a elevação da CK e sua correlação temporal com o início das estatinas, descontinuação ou troca.
Os sintomas relatados (dor e fraqueza muscular) são geralmente simétricos e proximais, e geralmente acometem grandes grupos musculares. Os sintomas tendem a ocorrer de forma precoce (4 a 6 semanas depois), mas podem ocorrer após vários anos de uso. Os sintomas são mais frequentes em indivíduos fisicamente activos.
O consenso já citado faz a seguinte classificação para os casos com sintomas elevação na CK.
- Mialgia por estatina: dor ou fraqueza muscular associada à CK normal;
- Miosite ou miopatia por estatinas: sintomas musculares associados à aumento da CK > 10 vezes acima do limite superior;
- Rabdomiólise: sintomas musculares e CK > 40 vezes acima do limite superior, quando associado à disfunção renal e/ou mioglobinúria;
Na maioria dos casos os sintomas musculares não estão associados à elevação da CK. Alguns pacientes apresentam-se com pequeno aumento de até 4 vezes acima do limite superior, e necessitam vigilância pois podem apresentam quadros mais graves.
Alguns pacientes são assintomáticos e a elevação da CK é apenas um achado. Nestes pacientes deve-se buscar uma outra causa (Tireoidopatia? Exercício?).
Factores de risco
Os factores de risco para sintomas associados ao uso de estatinas incluem idade acima de 75 anos, sexo feminino, índice de massa corporal baixo, infecção aguda, hipotireoidismo, diabetes mellitus, deficiência de vitamina D, grandes cirurgias, antecedentes de miotoxicidade com estatinas, actividade física intensa, etc.
Abordagem dos sintomas musculares associados às estatinas
São apresentados 8 pontos a levar em consideração ao abordar um paciente com sintomas associados às estatinas:
- Certifique-se que o paciente tem indicação para o uso de estatinas e se o paciente está ciente dos benefícios do seu uso;
- Avalie se não existe contraindicação do seu uso;
- Informe ao paciente sobre os riscos de “efeitos colaterais” e a alta probabilidade de que estes podem ser controlados;
- Enfatize as medidas não farmacológicas;
- Use estratégias baseados em estatina, preferencialmente, não obstante a presença de sintomas relacionados com estatinas;
- Se os sintomas persistirem, tente usar uma dose baixa ou intermitente, de preferência de uma estatina diferente (potente ou eficaz);
- Use terapias não-estatinas como adjuvantes, para alcançar níveis de LDL mais baixos;
- Não recomende o uso de suplementos para o alívio da dor por não haver evidência do seu uso.
Para os casos com CK < 4 vezes acima do limite superior deve-se reavaliar a necessidade do seu uso (para os de risco CV baixo). Para os indivíduos de alto risco (ex. diabéticos, coronariopatas) deve-se pesar o risco-benefício e, se necessário, usar doses mais baixas e/ou trocar a estatina.
Nos casos com sintomas e CK > 4 vezes do LS e baixo risco CV suspender a estatina e reavaliar a necessidade de estatinas. Se importante, pode-se reintroduzir com dose mais baixa, sempre monitorizando os níveis de CK.
Nos pacientes com sintomas, CK > 4 vezes do LS (mas < 10 vezes) e alto risco CV, pode-se manter a estatina e monitorizar a CK mais de perto.
Quando a CK > 10 vezes acima do limite superior (sem uma causa secundária), deve-se suspender a estatina pelo alto risco de Rabdomiólise. Após normalização da CK pode-se reavaliar a reintrodução com monitorização intensa da CK. Na suspeita de rabdomiólise não reintroduzir estatina.
Rabdomiólise deve ser suspeitada se houver dor muscular grave, fraqueza geral e sinais de mioglobinúria ou mioglominemia. Estes pacientes, e aqueles com níveis muito elevados de CK (por exemplo> 40 x LSN), deverão ser encaminhados para avaliação de lesão renal (urinálise, creatinina sérica). Hidratação intravenosa e alcalinização da urina são recomendadas para o tratamento de rabdomiólise dependendo da gravidade e da presença injúria renal. Se necessário considerar fármacos não-estatina para o tratamento da dislipidemia.
Leia também
Leitura recomendada
Reiner Z, et al. ESC/EAS guidelines for the management of dyslipidaemias: the Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS). Eur Heart J2011;32:1769–1818
Parker BA, Capizzi JA, Grimaldi AS, Clarkson PM, Cole SM, Keadle J, Chipkin S, Pescatello LS, Simpson K, White CM, Thompson PD. Effect of statins on skeletal muscle function. Circulation 2013;127:96–103.
Heart Protection Study Collaborative Group. MRC/BHF Heart Protection Study of cholesterol lowering with simvastatin in 20,536 high-risk individuals: a randomised placebo-controlled trial. Lancet 2002;360:7–22.
A.L. Mammen. Statin-Associated Autoimmune Myopathy. N Engl J Med 2016; 374:664-669
Ridker PM, et al; JUPITER Study Group. Rosuvastatin to prevent vascular events in men and women with elevated C-reactive protein. N Engl J Med 2008;359:2195–2207.
ACC/AHA/NHLBI Clinical advisory on the use and safety of statins. Circulation 2002;106:1024–1028.
Bosch X, Poch E, Grau JM. Rhabdomyolysis and acute kidney injury. N Engl J Med 2009;361:62–72